quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Marcelo Barros em Portugal - Ecologia e espiritualidade: mudar o paradigma


(foto reproduzida daqui)

Marcelo Barros, monge beneditino brasileiro e um dos nomes de topo daquilo que já se pode chamar a eco-teologia, está em Portugal e intervirá, hoje e amanhã, em mais dois debates – um no Porto, outro em Braga. Ontem, Marcelo Barros falou na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, numa sessão que contou com a participação de Paulo Borges, professor universitário e responsável da União Budista Portuguesa.
O debate de hoje no Porto decorre a partir das 17h, na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação e conta também com a intervenção de Margarida Felgueiras, professora da mesma faculdade, e Jorge Moreira, da Sociedade de Ética Ambiental. Amanhã, quinta-feira, em Braga, a partir das 10h, a Sala de Actos do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Munho (campus de Gualtar) recebe, além de Marcelo Barros, dois professores universitários: Jacinto Rodrigues (Porto) e José Pinheiro Neves (Minho). A vinda de Marcelo Barros a Portugal é a convite dos Missionários da Consolata.
Na intervenção de Lisboa, Marcelo Barros referiu-se à “crise ecológica gravíssima” que vivemos e que, pela primeira vez na história humana, “não é natural” e tem “custos astronómicos”, pelas catástrofes ambientais que já provocou.
Neste contexto, é necessária uma espiritualidade que reconcilie a pessoa humana com a natureza, defendeu. Mas que abranja os diferentes âmbitos da vida, aliando a ecologia ambiental à ecologia social. Marcelo Barros citou os números da concentração de riqueza no mundo (metade está na posse de dois por cento de pessoas) e dos milhares de crianças que morrem diariamente por fome, em contraste com o milhão de toneladas de alimentos que se deita para o lixo, diariamente para acentuar o paradoxo da situação actual.
As espiritualidades indígenas, através das quais Marcelo Barros descobriu a ecologia, podem ajudar-nos a descobrir que “não há separação entre natureza e história, entre natureza e cultura”. A espiritualidade ecológica pode ser, assim, um caminho de reconciliação e unidade.

Na mesma perspectiva foi a intervenção de Paulo Borges que, partindo da visão budista da questão, defendeu que “para proteger o equilíbrio ecológico da terra, é necessária uma ecologia da mente, que proteja a mãe-terra” e para que o futuro da humanidade “seja possível”.
O mau entendimento do mandato bíblico – “enchei e dominai a terra” – pode ter estado também na origem do uso desmedido das riquezas e recursos naturais, acrescentou Marcelo Barros. O verbo hebraico usado nessa frase, no entanto, é o mesmo do Salmo 8, mas que remete sobretudo para a noção de cuidado. Deturpado esse conceito, o uso incontrolado dos bens da terra está agora a voltar-se contra a pessoas, acrescentou o monge brasileiro.
É necessário, por isso, mudar o paradigma, defendeu, referindo que isso passa pela atitude concreta de cada pessoa, mas também por gestos como o do patriarca ortodoxo Bartolomeu, que estabeleceu o primeiro domingo de Setembro como celebração da criação.
Na conclusão do seu livro O Céu e a Terra se Casam, escreve Marcelo Barros:
“É urgente fazer do cuidado espiritual com a natureza uma cultura, um estilo de vida alternativo. Esse estilo de vida, como vimos, não consiste apenas em uma simples mudança de costumes ou um modo de viver mais ligado à natureza. Isso é importante, mas quando falamos em mudar o estilo de vida se trata de mais do que isso. Diz respeito ao nosso modo de habitar o planeta, nosso modo de trabalhar, de comprar, de consumir, de viajar. Se os relatórios dos organismos internacionais nos dizem que a sociedade já se apropriou de 80% dos recursos naturais do planeta e que isso tem consequências gravíssimas, precisamos de um estilo de vida baseado na sobriedade e na mudança radical de nossos hábitos de consumo. Em uma sociedade justamente baseada no consumismo voraz e acrítico, este tipo de discurso parece absolutamente inútil e fadado a cair no vazio. Os ricos consomem cada vez mais e os pobres, assim que podem, são também levados à febre do consumo compulsivo.
Na contramão desta onda, é preciso criar uma cultura crítica, hoje, desenvolvida pelos grupos que trabalham o consumo crítico e consciente, o mercado équo solidário e outras organizações de solidariedade. A defesa do planeta Terra e da natureza exigem com urgência que possamos refazer uma espécie de “humanização de nossos desejos”. Em 2001, o papa João Paulo II propôs uma “conversão ecológica” que só pode ser profunda se tiver como base uma conversão da cultura e uma verdadeira espiritualidade que nos faça ver a natureza e todo o universo como sacramentos do amor divino. “

(O livro O Amor Fecunda o Universo, de Marcelo Barros e frei Betto, que trata também a questão da ecologia e espiritualidade, está disponível para compra on-line, neste endereço)

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